EU SOU A VOZ DO CHOUPAL….
SENHOR DIRECTOR, Sou o cágado do Choupal, gerado dum eucalipto, nascido aqui, no princípio, quando, há cerca de duzentos anos, foi trazido pelo vento, em semente, com todos os meus dados, e cujas raízes foram as mesmas que, agora, me sustentam! Sou, enfim, um produto de reciclagem!
Não sei ler nem escrever, mas quando vim à existência, tinha já muita experiência, mais do que certos doutores que, aqui, querem fazer passar uma auto estrada. Por isso, encarreguei um admirador meu de dar sentido e forma à minha linguagem, para que, assim, todos me lessem, com coragem.
…..Na verdade, embora me considerem como o novo ex-libris do Choupal, estou aqui, como animal, há muitos anos, mas antes, quando o meu criador me moldava, muita gente que, por aqui, passava, comentava:”O mestre deve estar a fazer um bebedouro para as aves se regalarem”.E outros contestavam:”por quê, deste tronco, rude, fazer dele um bebedouro, se, aqui perto, há água no açude?”.
Uma coisa, porém, m´embaraça! Trago às costas, este enorme peso – a carapaça – que é a minha fortaleza. Recolho a cabeça e o rabo para dormir, ou quando alguém passa e ma chama tartaruga, que me faz ficar cego, ignorando que essa tem barbatanas e não patas. Mas que ambos são anfíbios, e com a mesma linguagem, não nego!
Enquanto fui uma árvore, eu via, do seu coruto, passar por aqui muitos atletas, uns a passo, outros apressados. Vi mil e um namorados, na prática da lua de mel. E a quantos piqueniques, com gente de toda a espécie –forasteiros, políticos, e desportistas – dei sombra e bom cheiro, sem uma palavra me darem. E até a bicharada e as plantas, de mim, se afastavam!
Vi as lampreias, com tristeza, mas com raça, levando a sua cruz, subindo o rio, até à ponte, sem lugar onde dar à luz , e, aí mesmo, o homem fazer-lhes caça. Mas também vi, com os meus olhos, lá em cima, na folhagem, as águias elevarem-se, do ninho, e lá, muito alto, voarem como um pontinho. Vi as mães fazê-las sair da cama, à força, atirando-as para o espaço. Via-as, com as crias ensinando-as a flutuar. E para não irem ao chão, com desfeita, via-as, a uns seis metros do solo, a abrir-lhes as asas, como um travão, elevando os filhotes novamente às costas e, com eles, voar mais alto, voltando a largá-los, até à aprendizagem perfeita. Isto foi, para mim, uma lição!
…..Vi uma libélula, imóvel, com as asas a agitarem-se, tão rápido, e até uma aranha beber café duma chávena e, logo, a sua teia ficar confusa. Vi o beija-flor voar, a fazer marcha a trás, e um pássaro a pescar, mergulhando a alta velocidade. Vi, com grande respeito, as vespas e os vespões, a ensinarem os homens a fabricar papel. Vi, por aqui, pertinho, os burros descarregando bostas e, por vezes, já cansados, os donos terem de levar a carga às costas. Vi, em tempo de guerra, os soldados passarem e, logo, os agricultores, tudo esconderem, à pressa, para nenhum grão levarem. Vi as moscas a injectar veneno, como uma praga e, com astúcia, batendo a asa, dezenas de vezes, por segundo. E vi um rapaz subir à copa e lá sonhar ter uma casa.
Aqui, enquanto fui eucalipto, ouvia o som da floresta, sibilante e frio. A empurrar a chuva contra o rio. Vi os relâmpagos passarem perto, e as estrelas, cintilantes, a luzirem no céu. Mas também vi jactos, uns em manobras, e outros, com gente, lançando fumo, na abóboda celeste.
Vi os comboios antigos, com ofego, dizer:” pouca terra”, e os modernos, mais rápidos, como cobras, lançando-se no Mondego. E muito pude eu apreciar quanto à fantástica profusão de vida e de sons raros! Passei anos e anos, sem escolha, a contemplar, vendo as árvores gigantes a crescer, lentamente, e cada raio de sol e gota de chuva a ajudar um novo botão ou folha. Vi, pouco a pouco, o dia a desaparecer, e a noite fria devagar, a avançar para o dia. V como as plantas e as flores, à noite, se fecham ou, em dias escuros, para proteger o pólen do orvalho ou da chuva, ressurgir, logo que o sol nasce.
Daqui, vi tantas jóias, reluzindo no negro veludo do céu! Vi as sete plêiades viajarem através da abóboda celeste! Vi o gigante Arcturo, como um míssil, voando a milhões de quilómetros à hora. Vi as estrelas cadentes e os meteoros a queimarem-se a algumas milhas da terra. Vi os relâmpagos a passarem perto. Sim eu vi tudo isso, até que, ainda sano, um raio me quebrou. Mas não desesperei, esperando ser o que sou - -o cágado- gigante e porta voz da floresta. Apesar da minha idade, e por mil e uma razões, quero aqui, deste lugar natal, colaborar na vossa festa: não consentir que alguém, dentro ou fora da nossa terra, sem consciência ou pulmões, destrua o nosso choupal!
Autor da carta: Rafael da Fonseca
(PLO CÁGADO – EUCALIPTO)
Coimbra
Transcrição do Diário de Coimbra por Rafael
Eu já tenho bilhetes para sábado!
ResponderEliminarVámos lá estar:Rafaelitolindo, Celestelinda, Olinditalinda!
Quem mais AINDA?
Arre cágado!
ResponderEliminarPara sábado não consegui ainda nenhuma resposta concreta das minhas 3 Marias...
E na 6ª? A Olinda não janta?
ResponderEliminarTiraste-me a Olinda de baixo da língua
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